sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Reificação

Quando vou a uma livraria fico imaginando quão rico é aquele universo. Ao ver as novidades que me interessam, logo sinto aquela sensação de impotência ante a ausência de tempo suficiente para dar conta da leitura de tudo aquilo. Seria extraordinário se tivéssemos tempo para ler tudo aquilo de que gostamos. Melhor: tempo para fazermos tudo que temos vontade.
No entanto, ontem, ao passar por uma dessas imensas livrarias, algo me chamou a atenção: um livro com o título “Mil lugares que você precisa conhecer antes de morrer.” A princípio, achei o título  e fiquei imaginando como deve ser fantástico conhecer todos esses lugares. Mas logo constatei que uma vida – por mais abastada e cheia de dinheiro – não é suficiente para conhecer esses mil lugares.
Por outro lado, o título é apenas sugestivo, pensei. São opções que você tem para conhecer durante a vida, não há necessidade de conhecer os mil lugares. É...mas o verbo “precisar” é impositivo nos faz imaginar que, para morrer feliz,  preciso conhecer exatamente os mil lugares.
Não andei muito e encontrei, na estante ao lado, outros livros com títulos idênticos: “Mil vinhos para tomar antes de morrer”; “Mil livros que você precisar ler antes de morrer”; “Mil filmes que você precisar assistir antes de morrer”.E por aí vai.
Toda essa profusão de títulos me fez concluir que, segundo essas cartilhas, para viver bem, é preciso quantidade e não qualidade. Ou seja,  os livros também viraram uma forma de pedágio para a cultura consumismo irracional.
Não é de hoje que a  sociedade pós-moderna nos incutiu a ideia de que você só tem utilidade se consumir: o consumo é a redenção de todos. Trata-se de um conceito individualizado, de costas para subjetividade e de olhos fechados para a coletividade.
No entanto, poucos se deram conta de que esse “fetichismo” pelo consumo irracional nos transformou em mercadorias, alienando-nos a cada dia que passa.É o que o sociólogo francês Georg Lucáks chamou de reificação.
Ao mesmo tempo, a quantidade de informações disponível a todos, por intermédio da facilidade de acesso à internet, tornou tudo instantâneo, pois, para termos acesso à mais informação, não vamos mais à banca de jornal; os shoppings se tornaram virtuais. O gesto de consumir está ao alcance de apenas alguns cliques no mouse ou toques na tela.
Ao analisar o fenômeno das redes sociais, o sociólogo polonês Zygmuth Bauman, em sua obra “Vida para o Consumo”, alerta para a constatação de que as relações sociais também passaram a ser mediadas pelo consumo.  Vale ressaltar que esse Consumo não é necessariamente das tradicionais formas de mercadorias, mas de cultura, de hábitos, de valores, de aparências e de ideologias.
Assim, na sociedade onde o padrão de consumo e da cultura de massa prevalece sobre as manifestações artísticas legítimas e as relações humanas, não há que se falar em subjetividade, pois ninguém pode se tornar sujeito antes de se tornar mercadoria. Todos devem se submeter ao padrão do mercado.
Nessa sociedade, percebo que o conceito de subjetividade dá lugar à ideia de individualismo.
E individualismo é o réquiem de uma sociedade sem criatividade.

Um comentário:

  1. Adorei seu texto, Osmar! É exatamente isso. Às vezes parece que não vivemos nada se não conhecemos os tais 1001 lugares para conhecer, se não ouvimos as 1001 músicas para ouvir ou lemos os 1001 livros para ler... Por que não inventam 1001 maneiras de não fazer nada, né?! rsssssssss
    Acho que isso até seria uma boa ideia porque num mundo tão doido, tão rápido, parece que o difícil está sendo exatamente não ter nada para fazer!
    Um abraço!

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