Uma das maiores riquezas de nosso país é, sem dúvida,
a diversidade cultural. De norte a sul desse imenso território, é possível
perceber a grandeza das mais diversas formas de representação da cultura
regional. Em meio a tudo isso, no entanto, cresceu um mito paradoxal: a ilusão
de que o Brasil é um país de unidade lingüística.
Esse mito é o responsável pela ideia de que se todos
falamos uma mesma língua, essa deve ser padrão para todos e se basear em uma
única gramática. Esse purismo despreza as variantes lingüísticas, responsáveis
pelas diversos falares, sotaques e dialetos regionais e sociais. Apesar de a
base ser a língua portuguesa, há que reconhecer que ela se transforma em cada
cultura e que isso é importante para a sua evolução.
No entanto, muitos não reconhecem essa diversidade. Recentemente,
a grande mídia fez um alarde em torno do conteúdo de um livro adotado pelo Ministério
da Educação para o ensino de língua portuguesa nas escolas. O livro, ao tratar
do assunto da variante lingüística, mencionava algumas formas da linguagem no
Brasil. O livro foi condenado por quem não conhece do assunto e por aqueles que
não leram o livro e não gostaram.
Vale lembrar inicialmente que a língua portuguesa é um
idioma que se deriva do língua latina, mas não do latim culto falado em Roma,
mas do latim vulgar falado pela plebe e pelos soldados. Logo, é uma variação de outra língua que já se
apresentava com variações próprias. Assim, várias palavras e expressões
sofreram constantes modificações e verbetes provenientes de distintos idiomas
dos povos que ocuparam a península ibérica.
Por conta disso, é temerário considerar erro o desvio
da norma culta, da língua padrão. O mais correto deveria considerá-los
variantes lingüísticas. Como parte do acervo cultural, a língua de um povo é
viva e em constante mutação, dependendo da geração, do lugar e das condições A
contribuição da Linguística nesse sentido tem ajudado a dar um aporte científico
a esse incipiente debate nos últimos anos.
O mais interessante é essa crítica à gramática tradicional
não é novidade das duas últimas décadas. A defesa de um português genuinamente
brasileira era uma das bandeiras do movimento Modernista. Daí resulta, a título
de exemplo, a famosa e magnífica crítica de Oswald de Andrade ao formalismo lingüístico
no poema Pronominais:
Dê-me
um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
Logo, querer
submeter essa diversidade lingüística ao rígido controle de uma gramática
muitas vezes limitada ao falar do Rio de Janeiro do início do século XX é um
equívoco que a sociedade ainda não percebeu.
E como disse Luís Fernando Veríssimo jocosamente : “A gramática precisa
apanhar todos os dias para saber quem é que manda”.