sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Entre a Língua e a Gramática



Uma das maiores riquezas de nosso país é, sem dúvida, a diversidade cultural. De norte a sul desse imenso território, é possível perceber a grandeza das mais diversas formas de representação da cultura regional. Em meio a tudo isso, no entanto, cresceu um mito paradoxal: a ilusão de que o Brasil é um país de unidade lingüística.

Esse mito é o responsável pela ideia de que se todos falamos uma mesma língua, essa deve ser padrão para todos e se basear em uma única gramática. Esse purismo despreza as variantes lingüísticas, responsáveis pelas diversos falares, sotaques e dialetos regionais e sociais. Apesar de a base ser a língua portuguesa, há que reconhecer que ela se transforma em cada cultura e que isso é importante para a sua evolução.

No entanto, muitos não reconhecem essa diversidade. Recentemente, a grande mídia fez um alarde em torno do conteúdo de um livro adotado pelo Ministério da Educação para o ensino de língua portuguesa nas escolas. O livro, ao tratar do assunto da variante lingüística, mencionava algumas formas da linguagem no Brasil. O livro foi condenado por quem não conhece do assunto e por aqueles que não leram o livro e não gostaram.

Vale lembrar inicialmente que a língua portuguesa é um idioma que se deriva do língua latina, mas não do latim culto falado em Roma, mas do latim vulgar falado pela plebe e pelos soldados.  Logo, é uma variação de outra língua que já se apresentava com variações próprias. Assim, várias palavras e expressões sofreram constantes modificações e verbetes provenientes de distintos idiomas dos povos que ocuparam a península ibérica.

Por conta disso, é temerário considerar erro o desvio da norma culta, da língua padrão. O mais correto deveria considerá-los variantes lingüísticas. Como parte do acervo cultural, a língua de um povo é viva e em constante mutação, dependendo da geração, do lugar e das condições A contribuição da Linguística nesse sentido tem ajudado a dar um aporte científico a esse incipiente debate nos últimos anos.

O mais interessante é essa crítica à gramática tradicional não é novidade das duas últimas décadas. A defesa de um português genuinamente brasileira era uma das bandeiras do movimento Modernista. Daí resulta, a título de exemplo, a famosa e magnífica crítica de Oswald de Andrade ao formalismo lingüístico no poema Pronominais:

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

Logo, querer submeter essa diversidade lingüística ao rígido controle de uma gramática muitas vezes limitada ao falar do Rio de Janeiro do início do século XX é um equívoco que a sociedade ainda não percebeu.  E como disse Luís Fernando Veríssimo jocosamente : “A gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda”.

2 comentários:

  1. A língua de um povo reflete sempre a sua identidade. Somos um país de muitas particularidades e de cultura diversificada, nada mais justo do que termos uma forma de nos comunicar que se espelhe nesse fato.

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    1. Pois é, Ianara. Considerar as variantes linguísticas regionais de um povo é reconhecer a sua diversidade cultural. Da mesma forma, negar as variantes sociais é negar a divisão de classes da sociedade. Por isso, a língua falada é a identidade, quiçá a impressão digital, de um povo.

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